Como Pegar uma Carona

By Guilherme Eisfeld

Carona: ato de viajar sem pagar por isso.

A explanação curta e objetiva acima indica uma usurpação, um proveito sem oferecer algo em troca, um ato de detrimento para os padrões sociais atuais.

Não me refiro às caronas de aplicativos como o BlaBlaCar. Elas não contam neste quesito. São um meio de transporte pago mascarado.

Estou falando de ir para a estrada, esticar o dedo e esperar pela boa vontade e ação de um completo desconhecido.

carona iran

Com o passar de diversas viagens, fisionomias e histórias, passei a conhecer adeptos desse jeito peculiar de viajar. Me aparentavam pessoas desprendidas, destemidas, divertidas e um pouco descaradas.

Era como magia: convencer um estranho a confiar em ti, fazendo-o levar para o próximo destino.

Muito admirava, mas pouco me via fazendo o mesmo, até conhecer duas pessoas que mudaria minha vida.

No início de 2017, no Vietnã, mais precisamente em Can Tho, às margens do delta do rio Mekong, Maria e Paweł surgiram na parte superior de um beliche em um albergue barato da cidade. Além da alegria contagiante e das dicas de restaurantes na região, eles compartilharam um pouco das suas histórias: iriam da Polônia à Nova Zelândia, somente com caronas, durante 1 ano. 

Naquele dia 5 de Janeiro, eles completavam algo em torno de 6 meses de viagem, da Polônia até o Vietnã, praticamente sem gastar com passagens.

Nem preciso dizer que foi amor à primeira vista, certo?

De lá para cá tudo mudou. Juntos viajamos por cerca de 1 mês entre Vietnã, Cambodia e Tailândia, e agradeço meus tutores por isso. Nos separamos na fronteira com Myanmar, pois eles deveriam seguir para a Malásia e eu já havia pago o visto para a antiga Birmânia.

Eu me encontrava pronto para continuar as caronas sozinho e obtive sucesso nisso, me emocionei com o resultado e atualmente não quero outra forma de viajar.

Antes de qualquer briga dos sexos vou deixar claro:

Sim, a sociedade é predominantemente machista.

Sim, mulheres estão mais suscetíveis e expostas a abusos.

Mas não posso me colocar no lugar de uma para dizer se carona deve ou não ser tomada.

Conheço alguns exemplos bem sucedidos de lindas mulheres viajando sozinhas à boleia pelo Brasil e pelo mundo, com cuidado redobrado, doses extras de coragem e sabedoria. Como uma delas me disse recentemente: “Podem me assaltar, abusar, colocar uma arma na minha cabeça, dentro da minha própria casa, por que não realizar meus sonhos de viajar e ser feliz então?”

Também não posso argumentar como seria para pessoas de etnias diferentes, mas infelizmente o racismo ainda é inerente no mundo.

A dica que dou é para entrar em contato com alguém que já experimentou esse estilo de viajar, e se possível tomar as primeiras caronas juntos. 

Me disponho a isso. Quem quiser é só me chamar, e se eu estiver nos arredores terei prazer em mostrar o que sei.

Na Alemanha e na Tailândia ajudei amigas nessa empreitada, e espero que mais oportunidades apareçam.

Caso eu não esteja por perto, deixo já de antemão alguns simplórios conselhos:

1. Previsão do tempo é a alma do negócio

Capa de chuva, jaquetas, chapéu, protetor solar, água, sanduíches, o que for necessário.

Você estará na maior parte do tempo em terreno descoberto à beira da estrada.

2. Planejamento

Faça download do aplicativo MAPS.ME e baixe o mapa dos locais para onde vai. Ele funciona offline, somente com GPS e será muito útil para se localizar no desconhecido.

Procure pelo nome da cidade de onde você vai partir no site http://hitchwiki.org/ . Ele te mostrará como sair para o sentido escolhido.

Funciona em grandes cidades, já nas menores um pouco de estudo e criatividade são necessários para encontrar o ponto onde começar.

3. Fuja do perímetro urbano

Caronas dificilmente funcionam dentro de cidades, e o motivo para tal é bem claro. Há muitas ruas e destinos possíveis, sendo que a maioria dos veículos continuará dentro da própria cidade.

Busque algum transporte público (não trapaceie com táxis), ou até mesmo caminhe, se possível, para a estrada rumando para o seu destino. Sempre digo que pegar caronas é como um esporte, tantos são os quilômetros percorridos a pé.

4. Dedos em riste ou cartaz?

Um pedaço de papelão e um pincel atômico podem ser muito úteis, indicando a sua direção, mas muito cuidado. Se o motorista não estiver indo exatamente para este local, pode ser que ele se recuse a parar, pois achará que não estará plenamente te ajudando, portanto cautela com sua escrita. 

Um simples polegar para o alto pode resolver o seu problema. Se posicione em um local onde haja espaço para veículos pararem, estenda seu braço e olhe para o rosto dos passantes. Lembre-se de não causar o caos no trânsito.

5. Quebre o gelo

O grande problema da carona é o medo.

Medo do lado do motorista. Pavor por parte do caroneiro.

O desconhecido assusta.

Por mais que o noticiário tente me provar o contrário, ainda acredito que a grande maioria das pessoas tem boa índole, então como conquistá-las e fazê-las parar?

A resposta se encontra lá no Posto Ipiranga. 

Isso mesmo!

Postos de gasolina na beira da estrada serão os seus melhores amigos.

Ao abordar uma pessoa por lá, você pode demonstrar o quão simpático e bem intencionado é, e assim o gelo estará quebrado.

6. Sorria, meu bem

O segredo para tudo na vida é a forma como você a encara.

Paciência, persistência e bom humor.

A carona pode acontecer rapidamente, mas horas a fio podem passar.

Na Tailândia a espera era de menos de 10 minutos. Na Espanha fiquei mais de 4 horas sem ajuda, e já ouvi pessoas que ficaram mais de 1 dia em algum local ermo e solitário, portanto sorria!

Sua reluzente arcada dentária pode garantir o seu sucesso. Simpatia e alegria ganham corações, e caronas.

7. Prosa e verso

Converse, inspire, não julgue, ajude.

Quando alguém se dispõe a para e levar você adiante, essa pessoa genuinamente demonstrou sua bondade, sem esperar algo material em troca, logo seja uma boa cia.

Em certas viagens me deparei com motoristas solitários, carentes, que necessitavam uma boa conversam e um conselho. Recém divorciados, pessoas mudando o rumo profissional, ex-presidiários buscando reabilitação, indivíduos com depressão, e muitos que queriam apenas uma coisa: serem ouvidos.

Foram inúmeras as mensagens trocadas, e fico satisfeito se por alguns instantes fui responsável por risadas e novas inspirações.

Não pego carona por ser gratuito.

Muito pelo contrário, para entrar nesse mundo você estará gastando o bem mais caro de todos: o seu tempo.

Mas também estará transformando uma viagem monótona em uma conversa boa. Tornará uma locomoção em um ato de generosidade.

Carrego comigo alguns chaveiros e imãs de geladeira de Curitiba, minha cidade natal, mostrando assim ao mundo um pouco da minha história. Um simples souvenir para alguns, com um simbolismo grande de compaixão por trás.

Carona é como um experimento social, onde o preconceito não pode existir. Pode não ser para todo mundo, mas todos que conheci nesse meio são lindos!

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