Todo ano essa mesma ladainha. E para não parecer chato, eu acabo aceitando – mesmo a contragosto. Só que desta vez me dei mal, talvez com M maiúsculo de Mochila de Criança.
Mateus teve a “brilhante” ideia da festa de aniversário para o chefe, montou um grupo para enviar mensageiros e facilitar nossas escolhas – junto com figurinhas de bom dia – e propôs o amigo oculto.
Tomé, desconfiado, tomou partido e falou que não parecia ser uma boa ideia, nunca tinha visto evento igual dar certo, mas contou apenas com a minha simpatia. Preferi ficar quieto e deixar ele sozinho.
Simão colheu pedras no chão e colocou marcas em cada uma delas, simbolizando nós treze. Sorteamos os nomes, e de forma escandalosa meus colegas esboçaram suas reações de incredulidade, misturada com alegria e compaixão.
Me fudi! Com o perdão da blasfêmia, mas poxa! Acabei pegando o patrão. Não o manda-chuva, já que esse é Pedro. Falo do centro das atenções, do benevolente e magnânimo, do nosso mentor e inspirador Jesus.
Filipe sugeriu que fizéssemos uma lista com o que gostaríamos de receber, evitando desperdícios ou presentes de desagrado. Eu precisava de trinta moedas de prata, mas seria demasiado atrevido se expusesse tal cobiça. E eis que Nosso Senhor recitou que vestia túnicas tamanho M e sandálias 39/40, que aceitaria de bom grado vales para banhos e termas, mas que na verdade gostaria de qualquer coisinha, o que importava era a confraternização. Tudo com um sorriso no rosto que me deixou encabulado.
Ele já tem de tudo, e o que ainda não possui, diz que não precisa ou materializa em um estalo de dedos. Ano passado transformou a kombucha que ganhou em vinho. Multiplicou um panetone de fermentação natural e deu para os pobres. Eu precisava ir além dessa partilha, tinha que encontrar algo que marcasse minha imagem como um bom fiel.
Que merda, podia ter pego Tiago, dava um molinete para ele.
Na noite do dia 25, um novo sorteio definiu quem começaria: Bartolomeu. O fluxo, acho que todos conhecem, o escolhido tem que descrever seu amigo secreto e na adivinhação correta, trocam-se as bugigangas.
“O meu amigo oculto é imaginativo e criativo. Ele pensa muito, é introspectivo nas suas dissertações e pouco falador como discípulo” – explanou Bartolomeu.
“É André!” – gritaram.
“Não, está na cara que esse é Marcos!” – exaltaram.
Era João. Maldito João. Sempre tem os olhares para ele. Sorridente, ele foi até o centro, abraçou Bartolomeu e pegou o presente. Não acredito no que vi, se pelo menos fosse um amigo da onça, eu poderia roubar o copo Stanley que ele ganhou!
João ficou um pouco encabulado e sem jeito, não conseguiu descrever a pessoa e acabou entregando de bandeja que seu amigo era Bartolomeu. Eu não disse? Já começou dando errado. Um pegou o outro, obrigando uma nova escolha para reiniciar a brincadeira sem graça. Samuel se candidatou e se levantou.
“Meu amigo secreto tem apego por valores. Cuida das finanças e das economias. Ama tudo que brilha e reluz!”
Obviamente estava falando de mim, mas me fiz de desentendido, pensando que era assim que deveria funcionar o jogo. Em uníssono clamaram: Judas Iscariotes!
Corei as bochechas e caminhei até ele. Trocamos afagos e mensagens de boas venturas. Recebi um embrulho colorido e dentro dele um porta-retratos, com a pintura de Jesus e todos seus apóstolos. Preciso mesmo reforçar o quão desnecessário é isso? Um porta-retratos, onde já se viu, antes fosse uma amostra grátis de mirra. Dei um tapa no ombro de Samuel e me virei para todos.
Admito que eu estava a tremer um pouco. O que dizer de Jesus sem escancarar a proposta da brincadeira? Até onde eu sei ele foi o único que andou sobre as águas, que é filho de uma virgem – mesmo que eu tenha minhas dúvidas – e que sumiu por 33 anos em um intercâmbio para o exterior. Fiquei em silêncio, tentando formular descrições, à espera de um milagre, quando bateram à porta.
“Judas! Estou com a encomenda de Judas!” – clamou uma voz grave.
“Qual deles? Iscariotes ou Tadeu?” – presunçosamente questionou meu xará.
Tomei à frente, me fingindo tão surpreso quantos os outros. Um pouco antes do combinado, mas o presente chegou. Pelo menos assim me livrava das adivinhações banais.
Com um bolo em uma das mãos, e um fardo de uma bebida adocicada, escura e gaseificada na outra, o velhinho performático que contratei adentrou o salão. Conheci a figura barriguda na Galiléia, conversando com as crianças nas ruas de terra batida. Chamou a atenção a roupa felpuda e o gorro vermelho que ele trajava, mesmo com o clima árido e seco.
Era encantador o poder que ele emanava. Com extrema persuasão convencia pequenos endiabrados a comportarem-se, em troca de algum pedido espalhafatoso. Qualquer item era acatado, não que fosse recompensado no final, já que o que importava era apenas o compromisso firmado com ele. Até porque o presente só viria se os pais pagassem, e nem todos tinham condições para tal.
Que espírito esplendoroso! Era a magia da esperança. Além de fazer a economia local girar com mimos, faria com que fedelhos entrassem na linha. Uma ação benévola em troca de algo substancioso e concreto. A materialização da boa vivência.
Jesus nunca iria esquecer disso. Abracei-o, desejei os devidos parabéns e dei um beijo na sua face.
Se ele gostou, não sei dizer. Ficou quieto, observando em um canto, enquanto todas as atenções estavam voltadas para o velhinho em vermelho. Parecia até mais importante que o próprio aniversariante. Melhor presente impossível. Até que não foi tão ruim esse tal de amigo secreto.
Genial! Feliz 2022 Gui!
Feliz ano a vir para nós, Gabi \o/
Bom demais !
Feliz natal e que o papai Noel venha cheio de presentes pra vc que se comportou
Boa guri, curti!
Sensacional!
Questionamento de natal de todo ano
Beijoxx