Auto Análise de Quarentena

By Guilherme Eisfeld

Não me lembro quantos anos tinha quando me perguntaram pela primeira vez o que eu queria ser quando crescer.

A resposta provavelmente tenha sido alguma versão utópica e distorcida do meu ser, travestida de astronauta ou jogador de futebol, quem sabe os dois ao mesmo tempo.

É um bom exercício imaginativo, não me levem a mal, mas certamente carrega equívocos.

Não pelo resultado em si, mas sim pela questão e principalmente pela expectativa gerada.

Quem perguntava não ansiava primordialmente por valores. Queria um rótulo. Um título. Um modelo de sucesso. Sendo que o critério de distinção seria baseado em cifras de uma conta bancária.

Com pouca idade ainda, me decidi.
Seria um escritor.

Sorriram.

Que bonitinho que era aquele pequeno aluno da terceira série que sonhava em rabiscar emoções em um caderno brochura.

Sabia de nada da vida. 

Doce e leve inocência infantil.

Porém o tempo me foi tomado com outras atividades.

Com a bunda assentada em uma dura cadeira de madeira decidiam o que, e como eu deveria aprender.

E como absorvi conhecimentos. Muito na base da repetição e da memorização, tenho que admitir. 

Tantas coisas me foram oferecidas, quanto as que imediatamente saíam pela outra via do meu cérebro.

Continuei, e fui com isso deslapidando meu sonho de pequerrucho. 

Afinal de contas, que escolha eu tinha?

Foi um processo longo. Nem sempre prazeroso, mas diziam que necessário para eu realizar algo maior. 

Por mais que não fosse agradável, era mais fácil seguir do que descobrir um caminho alternativo, imagine então mudar o destino. 

Oscilando entre fases, fui envelhecendo, mas depois que a semente dos questionamentos germina, você não consegue refrear a sua florada. Eu podia ignorá-la, mas lá ela estaria, esperando que um certo dia eu a confrontasse.

Enquanto não fizesse as pazes comigo mesmo, ela iria se alastrar. 

E isso era claro nos rótulos que eu ganhava. 

“Do contra”. “Treteiro”. “Causador”. “Sem paciência”. 

Um lado me dizia que eu devia buscar o que eu acreditava. Outro suprimia esse pensamento, e cedia ao que o sistema pregava.

Que lindo seria se as tais cifras não ditassem o ritmo da ciranda da vida.

Me rebelei. Quis mudar o mundo. Mais com palavras do que com atitudes. Talvez reflexo do antigo sonho de escritas e rasuras.

Ácida e pesada insubordinação adolescente.

Consenti. Mudar o mundo era fardo muito grande. E como mudar quem não quer transformação? 

Não, deixe para lá. 

A vida adulta me mostrou que o mundo que eu tinha que modificar era o meu.
Me falavam que eu tinha que parar de tentar fugir, ou de me esconder. Que eu não precisava entrar de cabeça, mas apenas pegar marolas nas beiradas de um sistema injusto, mantendo o contato com as peças que faziam parte dele, e, quando possível, trazendo algumas delas para o meu lado.

Isso me lembra que é muito mais fácil tirar conclusões para os outros. 

Auto análises sempre foram mais tortuosas. 

E era engraçado, porque muitos tomavam minhas ações como atos de coragem. Eu estava só fugindo do que não concordava, e esbravejava que não, até entender o significado deste termo. Oriundo do latim, coragem remete a uma ação do coração, não o órgão que pulsa sangue e nos mantém vivos, mas a sua versão figurada que rege as atitudes mais nobres e puras que temos.

Agora que cresci, me pergunto se sou realmente o que eu gostaria de ter sido, e sem um título ainda pronto para colocar em um cartão de visitas, eu afirmo que sim, e tenho certeza que aquele menino do primeiro parágrafo talvez não compreendesse, mas de certa forma estaria feliz com o que o sonho dele se tornou.

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