Minha mãe sempre desconversava quando eu perguntava o paradeiro do meu pai. Dizia para eu não me preocupar com quem nunca havia se importado comigo. Confuso assim mesmo, ainda mais para uma criança ranhenta e de pés descalços. Com o passar dos anos comecei a entender o seu tom, seu lamento, sua solidão. Os homens entravam e saíam do seu quarto, na mesma velocidade com que eu derrubava lágrimas ao chão – pelo menos naquela época eu ainda possuía um pedaço de assoalho para chamar de meu, de nosso.
Assim que ela partiu, ficamos literalmente na rua da amargura, nas marquises do desprezo, nas praças do desgosto ou nas alamedas da invisibilidade. Dependia muito do dia, do clima, e do cansaço. Meus dois irmãos mais velhos catavam papelão, minha irmã não chegou a ver o sol debutar, e eu… bem, eu queria ser professor de português. Queria ensinar pessoas na mesma situação que a gente, para quem sabe no futuro ninguém mais precisar passar pela mesma situação que a gente.
Lembro que apanhei quando contei isso ao João. Não física, porém sentimentalmente, como se todos os meus sonhos se diluíssem nas águas da enxurrada da risada do meu irmão.
“Você não sabe ler, nem escrever, e quer ensinar? Hahahaha…. Essa é muito boa, moleque!”
Moleque do pé, moleque de pé, correndo, cambaleando, esfarelando como amendoim moído, pisoteado por tudo e por todos. Alguns diziam que eu não tinha onde cair morto, como se eu tivesse algum lugar para ficar de pé vivo.
Como que eu iria lutar contra um destino tatuado na minha testa desde o berço? E olha que nem berço eu tive. Mamãe foi uma heroína, no meio da ruína ainda distribuindo alimento – mesmo que pouco – e princípios para seus pimpolhos.
“Filho de puta, sim, mas nunca de um ladrão!” – bradava depois de uns goles perfumados e perigosos.
Será que ela sentiria orgulho do que me tornei? Obviamente não, como se vangloriar de algo ou alguém que foi, e ainda é, uma avalanche de percalços? Brindei silenciosamente a ela, e tomei mais um trago daquela bebida forte e barata, mas que nunca fechava as portas para mim.
Minha rotina passou a ser a de perambular pelas casas noturnas da cidade, observando seus frequentadores e me imaginando no lugar de cada um deles. Homens e mulheres, machos e bichas, roqueiros ou pagodeiros, Lulas ou Bolsonaros. Todos, definitivamente todos bebiam, brigavam, sorriam e choravam, mas sabiam que um cobertor quentinho os esperava no final da folia.
Se vai ser Jesus ou o Diabo que vai me receber, pouco importa, em vida eles nunca olharam para mim mesmo. Numa noite amena de outono – sei pelas folhas secas que se acumulavam – contei esse dilema moral e mortal para um casal que encontrei na calçada, já que a sarjeta era minha única propriedade.
“Está vacinado?” – ele me perguntou.
Para quê? Para quê, meu filho? Sobrevivo a desgraças desde antes do sêmen do meu patriarca navegar pelos canais trabalhistas da minha mãe. Mas pelo menos eu não uso drogas, nem bebo – uma mentira sempre amolece um coração.
Vocês ficam aí discutindo esse cara, ou esse outro, para mim sinceramente não vai mudar nada! Eu vou continuar como sempre fui, um fodido! Um fodido! Você tem um trocado aí? Deve ser difícil ser eu, não é mesmo? Mas não precisa me responder, menino! Não precisa responder!
E assim parti, deixando os pombinhos boquiabertos para trás, em busca de um novo modelo para espelhar, e quem sabe com a aula mais importante que alguém tenha lecionado naquela noite.

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Lecionou…